A origem da caça à gordura: Ancel Keys e o estudo dos 7 países

Para compreender como é que os produtos com baixo teor de gordura (por vezes, em contrapartida, repletos de açúcar) encheram as prateleiras dos nossos supermercados, é preciso voltar às teses de Ancel Keys.

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Ancel Keys é um investigador americano que, nos anos 50, lançou a hipótese de que a alimentação é a causa das doenças cardiovasculares.

Em 1956, o famoso nutricionista lançou o que viria a tornar-se uma referência quase bíblica no domínio da nutrição: estudo dos 7 países. Keys lançou o estudo para provar que o consumo excessivo de gorduras era de facto a causa das doenças cardiovasculares.

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Para Ancel Keys, o gorduras e o colesterol eram susceptíveis de obstruir as artérias. Para o provar, estudou a relação entre o consumo de gorduras saturadas, como a manteiga, e a mortalidade cardiovascular em 7 grupos populacionais.

O estudo envolveu mais de 12.000 homens nos Estados Unidos, Finlândia, Países Baixos, Itália, Jugoslávia, Grécia e Japão. Ancel Keys revela que a Finlândia tem uma taxa elevada de doenças cardiovasculares e que os finlandeses são grandes consumidores de gorduras saturadas.

Por outro lado, os gregos e os japoneses têm uma menor incidência de ataques cardíacos e consomem pouca gordura. A nutricionista estabelece uma correlação entre o consumo de gorduras e a taxa de doenças cardiovasculares.

O problema é que Ancel Keys escolheu deliberadamente estes 7 países porque corroboravam a sua hipótese inicial, ao passo que se tivesse escolhido outros países, como Israel, os Países Baixos, a Alemanha, a Suíça, a França (e o seu famoso "paradoxo francês") ou a Suécia, o estudo teria sugerido o contrário.

A França, a Alemanha e a Suíça apresentavam taxas baixas de doenças cardiovasculares, apesar de as suas populações consumirem muitas gorduras saturadas.

A International Sugar Research Foundation - o famoso lóbi criado pela indústria açucareira - recorreu a vários especialistas próximos das ideias de Keys, como Francisco Grande, o nutricionista William Connor e, sobretudo Edwin Biermanum especialista em diabetes da Universidade de Washington. Ele convenceu a Associação Americana de Diabetologistas a não restringir a quantidade de hidratos de carbono recomendado para diabéticos, e foi coautor de um relatório da Comissão Nacional sobre a Diabetes, em 1976, que influenciou programas de investigação sobre a doença e que incluiu estudos científicos financiados pela indústria do açúcar.

A posteridade provou que o estudo de 25 anos de Ancel Keys sobre os 7 países era, infelizmente, falho. Mas, na altura, estas anomalias não impediram o senador americano George McGovern de publicar os "Objectivos alimentares para os Estados Unidos", baseados nomeadamente neste estudo.

 

Em 1977, sob a influência dos trabalhos de Ancel Keys, as recomendações nutricionais americanas recomendavam :

  • 60% de calorias sob a forma de açúcares essencialmente lentos (incluindo uma grande proporção de cereais)
  • Uma redução de lípidos 20 a 30%

A França seguirá este caminho e, até hoje, esta repartição apenas sofreu ligeiras alterações.

No entanto, olhando para trás, a obesidade disparou em todo o mundo desde o final dos anos 70, e as doenças cardiovasculares e a diabetes assumiram proporções alarmantes.

Entre 1980 e 2010, a percentagem de pessoas obesas nos Estados Unidos mais do que duplicará, passando de pouco mais de 10% para mais de 35,7% da população americana.

 

A obra profética de John Yudkin

Em 1972, com a publicação do seu livro Pure, White and Deadly, John Yudkin tornou-se o primeiro cientista a culpar o açúcar em vez da gordura como uma das principais ameaças à nossa saúde. O seu livro, que na altura contrariava o discurso dominante liderado por Ancel Keys, provocou fortes reacções e críticas tanto da indústria alimentar - liderada pela Associação do Açúcar - como da comunidade científica.

O seu estudo foi ridicularizado e a sua reputação destruída, pelo que durante muito tempo o livro foi quase impossível de encontrar, até que um certo Robert Lustig, pediatra e endocrinologista da Universidade da Califórnia, actualizou as suas teses.

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